Hoje eu transcrevo uma cronica escrita por João Marcos Buch, que foi publicada em 24/01/2018, no site: http://www.juscatarina.com.br/2018/01/24/joao-marcos-buch-so-por-hoje/ e que merece um pouquinho da nossa atenção, pois nos mostra um pouco da nossa realidade diária:
"Hoje, com saúde, eu acordei em minha cama, no meu quarto, tomei banho
quente no meu banheiro, coloquei as minhas roupas e tive o meu farto café da
manhã. Fui trabalhar. Ao meio dia, com meu carro e no ar condicionado fui
almoçar, comi salada, arroz integral, feijão e um contra-filé grelhado ao
ponto. À tarde presidi audiências e entre elas tratei de uma envolvendo um
egresso do presídio em livramento condicional. Às 16h fiz intervalo para um lanche. No início da
noite fui para a academia exercitar o corpo e finalmente voltei para meu
apartamento, onde jantei e tomei uma taça de vinho, droga essa lícita. E voltei
a dormir em minha cama. Sou juiz.
Hoje, doente, com dor de estômago e inflamação na perna esquerda,
portador do HIV, ele acordou na calçada, numa via pública, tomou banho no
centro de referência para população em situação de rua e não teve café da
manhã. Foi pedir pelas esquinas. Ao meio dia, com os próprios pés e sob sol
numa temperatura de 39 graus andou a procura de almoço, não almoçou. À tarde compareceu
a uma audiência e na frente do juiz justificou o cumprimento regular do seu
livramento condicional. Às 16 horas não fez intervalo, não tinha lanche. No
início da noite foi para o centro da cidade exercitar a miséria e finalmente
voltou para uma rua qualquer onde jantou daquilo que alguém dispensou e usou
alguma droga, essa ilícita. E voltou a dormir na calçada. Ele é ex-presidiário.
A diferença entre nós: eu tive muitas oportunidades na vida, ele poucas
ou nenhuma; eu tive família, educação e referências positivas, ele nunca soube
o que é família, largou os estudos nos primeiros anos e suas referências nem
sempre foram positivas. Sou um ser humano melhor do que ele? Não sou. A esta
altura da vida tenho mais do que ele? Tenho sim. Isso é justo? Não, não é! Não
nos damos conta do quanto somos responsáveis por esse estado de coisas. Está na
hora de vivermos com menos julgamentos e mais alteridade.
Errata: desta vez, na realidade deste dia, às 16h o rumo da história dele mudou.
Ele teve um lanche fornecido, o assistente social o atendeu e em seguida em meu
nome foram acionadas as redes de atenção municipais. O ciclo se quebrou. Hoje
ele não dormirá na calçada. E eu dormirei melhor.
Só por hoje. João Marcos Buch é juiz de Direito."
Pensemos nisso.
Um grande abraço a todos.
Ari
Um grande abraço a todos.
Ari