Os dias dos doze anos de educação básica e dos quatro anos de universidade já demonstraram não ser o método mais eficaz de aprender.
O
ovo está chocando aos poucos. Cada vez mais pessoas estão se tornando
conscientes da perda colossal de dinheiro, o desperdício trágico do tempo dos
jovens e a imposição cruel de estresse e ansiedade produzidos pelo nosso
sistema educacional coercivo.
As
crianças chegam ao mundo biologicamente programadas para se autoeducarem. Essa
curiosidade, diversão e obstinação foram moldadas pela seleção natural para
servir a função da educação. Então o que fazemos? A um custo alto (cerca de US$
15 mil por criança ao ano na educação básica pública), mandamos as crianças
para escolas que impedem deliberadamente os seus instintos educativos – isto é,
reprimem a sua curiosidade, diversão, sociabilização e obstinação – e então,
com grandes prejuízos e dificuldades, tentam educá-las de modo muito
ineficiente e ineficaz por meio de sistemas de recompensas e punições que se
apoiam em arrogância, vergonha e medo.
Pesquisas
mostram que com gastos muito menores, e com prazer em lugar de sofrimento,
podemos facilitar, em vez reprimir, os modos naturais das crianças e
adolescentes se autoeducarem com resultados excelentes. Cada vez mais famílias
estão se tornando conscientes disso e estão buscando meios de retirar as suas
crianças da escola obrigatória em favor da Educação Autônoma.
A
maior parte dos meus trabalhos anteriores sobre educação se referem aos anos a
que infelizmente nos referimos como educação básica (como se a educação fosse
uma coisa escalonável em que a aprendizagem é organizada como uma linha de
produção). Eu escrevi sobre como banir o sistema de séries e deixar as crianças
fazerem e aprenderem o que lhes interessar a qualquer momento, em ambientes de
faixas etárias mistas, funciona tão bem em escolas como a Sudbury Valley e
muitos outros ambientes que foram desenvolvidos para facilitar a Educação
Autônoma.
Mas
e aqueles anos de educação que chamamos de “ensino superior”, principalmente os
quatro anos de graduação? Muitos jovens, devido à pressão familiar e social,
também veem isso como algo essencialmente obrigatório. Para eles, a
universidade é apenas uma continuação do ensino médio – os anos 4, 5, 6 e 7. E
esses anos de ensino são muito mais caros do que os anteriores, um custo que
geralmente deve ser pago pelos pais ou por meio de financiamentos que podem
sobrecarregar uma pessoa por décadas. Além disso, há cada vez mais evidências
de que se aprende muito pouco durante esses anos.
Fundamentalmente,
a universidade é um sistema de discriminação aprovado socialmente. É assim que
um professor universitário, Shamus Khan, que é crítico da iniciativa da qual
ele faz parte, descreve:
Eu faço parte de uma
fábrica de credenciamento (...) As universidades aceitam americanos que já têm
vantagens. Elas não pedem que eles façam muita coisa ou que aprendam muito. Ao
final dos quatro anos, damos um certificado a eles. Esse certificado lhes garante
salários mais altos. As universidades ajudam a obscurecer a qualidade
aristocrática da vida americana. Elas fazem isso convertendo direitos inatos
(que todos nós acreditamos ser injustos) em credenciais (que parecem ser
mérito).
Estudos
recentes documentaram a escassez de aprendizagem real que acontece durante os
anos de graduação. Devido ao modo como é estruturado, o ensino superior é uma
commodity em que as pessoas tentam obter o mínimo possível com o seu dinheiro.
Isso já acontecia quando eu estava na graduação, décadas atrás, e é ainda mais
presente hoje. Pesquisas indicam que o tempo médio de estudo por semana para
estudantes universitários diminuiu de cerca de 25 horas em 1960 para cerca de
12 horas hoje, e os estudantes continuam evitando cursos que exigem produção de
trabalhos originais ou muitas horas de leitura.
A
administração das universidades argumenta há muito tempo que o maior benefício
da universidade é um ganho em pensamento crítico, mas estudos sistemáticos
mostram que tais ganhos são na verdade muito pequenos, e para aproximadamente
45% dos estudantes eles são inexistentes. Até agora eu não consegui
encontrar nenhuma evidência de que o pensamento crítico melhora ao longo dos
quatro anos de graduação em um nível maior do que ocorreria, nas mesmas pessoas
ou em pessoas com perfis similares, se passassem esses quatro anos fazendo
outras coisas.
Em
uma pesquisa recente, realizada pela PayScale Inc., 50% dos empregadores
reclamaram que os graduados que eles contratam não estão preparados para o
ambiente de trabalho, e o motivo principal apontado por eles é falta de
habilidades de pensamento crítico. Os meios falhos de aprendizagem, que são
endêmicos no ensino médio e envolvem pouco ou nenhum pensamento crítico, são
cada vez mais adotados também nas universidades. Minhas observações sugerem que
o pensamento crítico cresce principalmente por meio da busca pelos interesses
próprios do indivíduo e pelo envolvimento em diálogos sérios e automotivados
com outras pessoas que compartilham esses interesses, e não pelas práticas
padrão de sala de aula.
Não
sei como ou quão rápido a mudança ocorrerá, mas acredito que os dias da
educação básica de doze anos e dos quatro anos de universidade estão contados e
a sanidade começará a prevalecer no meio educacional. Eu enxergo um futuro com
algo como a abordagem de três fases de educação a seguir:
Fase
I - Descoberta
Os
primeiros quinze a dezoito anos de vida de uma pessoa são idealmente, nessa
perspectiva, anos de exploração autodirecionada e diversão em que os jovens
aprendem sobre o mundo ao seu redor, tentam modos diferentes de estar nesse
mundo, desenvolvem e correm atrás de interesses passionais, e criam pelo menos
um plano de como poderão se sustentar como adultos independentes.
É
isso que já acontece com jovens autodidatas em escolas ou centros de
aprendizagem voltados para Educação Autônoma ou ambientes de Educação Autônoma
de base doméstica e comunitária (geralmente chamados de “desescolarização”). Na
minha visão para o futuro, centros de aprendizagem e recreação financiados
publicamente permitirão que todo mundo, independentemente da sua renda
familiar, possa se autoeducar desses modos.
Fase II - Explorando um plano de
carreira
Um
dos diversos problemas com o nosso sistema educacional atual é que, mesmo
depois de dezessete anos de ensino, incluindo a graduação, os estudantes têm
pouco conhecimento sobre carreiras em potencial. A única vocação adulta que
eles presenciaram de perto é a de professores. Um estudante pode ter decidido,
por algum motivo (talvez porque pareça prestigioso), se tornar médico, ou
advogado, ou cientista, ou executivo, mas esse estudante sabe pouco sobre o que
significa ser essas coisas.
No
sistema de educação racional que eu tenho em mente, os estudantes passariam
tempo trabalhando em ambientes reais que ofereçam uma ideia do que uma carreira
exige antes de buscarem formação especializada para essa carreira. Por exemplo,
uma pessoa interessada em se tornar médico pode trabalhar em um hospital por um
período, talvez como ordenado ou assistente. Talvez esse possa ser um programa
de aprendiz oficial, com um pouco de estudo como parte do programa, ou talvez
possa ser só um trabalho comum.
Assim,
essa pessoa pode observar e interagir com médicos na sua prática e ter
experiências reais de como é ser médico, o que permitiria que pudesse tomar uma
decisão informada sobre isso como um plano de carreira. Será que eu gosto de
ficar em hospitais e perto de pessoas doentes? Será que eu tenho o tipo de
compaixão e força moral, além de habilidades de raciocínio, exigidas para ser
um bom médico? Se a resposta for não, é hora de experimentar um plano de carreira
diferente.
O
mesmo acontece para qualquer outra carreira. Uma pessoa interessada em direito
pode trabalhar em um escritório de advocacia; uma pessoa interessada em se
tornar cientista pode trabalhar como assistente de laboratório ou de campo; uma
pessoa interessada em se tornar engenheiro pode trabalhar como aprendiz de
engenharia. Desse modo, eles poderiam aprofundar a sua educação e ganhar
experiência prática enquanto obtém alguma renda, em vez de acumular dívidas.
Durante o processo, a pessoa poderia conhecer e ser reconhecida por
profissionais na área da sua carreira em potencial, que poderiam escrever
cartas de recomendação que ajudariam na sua candidatura a formação ou progresso
na área em questão.
Muitas
empresas, reconhecendo que o ensino universitário típico não prepara as pessoas
para o seu tipo de trabalho, já oferecem programas de aprendiz. De acordo com o
Departamento de Trabalho dos EUA, o número de programas de aprendiz disponíveis
nos Estados Unidos cresceu de cerca de 350 mil em 2011 para cerca de 450 mil em
2015, e continua a crescer. Por exemplo, a BMW tem um programa de aprendiz em
Spartanburg, Carolina do Sul, para treinamento de engenheiros, e pelo menos uma
empresa de seguros comerciais oferece programas de aprendiz em ajuste e subscrição
de créditos – empregos que anteriormente exigiam um diploma de ensino
superior.
Fase III - Tornar-se credenciado para
trabalho especializado
Para
muitos tipos de trabalho, é essencial se certificar que as pessoas
desempenhando a função saibam o que estão fazendo. Esses são os trabalhos em
que talvez seja essencial uma formação especializada, guiada por especialistas
e avaliada por testes rigorosos. Antes de contratar um cirurgião, dentista,
advogado, eletricista ou encanador, preciso ter certeza de que aquela pessoa
foi credenciada e licenciada por meios que incluem provas de competência. Essa
é a única fase do sistema educacional em que provas deveriam ser essenciais.
Tal credenciamento pode, em alguns casos, ser parte de um programa de aprendiz,
ou em outros casos pode ocorrer em escolas de formação profissional, como
escolas de medicina, engenharia ou outras vocações.
Então,
uma jovem que explorou uma carreira médica trabalhando como assistente pode, em
algum momento, se inscrever para uma escola de medicina. No processo de
admissão, ela pode ter que apresentar evidências de que tem consciência da sua
escolha e se preparou adequadamente para iniciar essa formação; e então, no
final, ela teria que provar competência na especialidade médica que escolheu.
Acredito
que com esse sistema teremos muito menos médicos, advogados, executivos e
outros profissionais infelizes, e muito mais profissionais felizes.
Eu
descrevi tudo isso como uma visão para o futuro, mas é um futuro que já está se
tornando realidade. Como eu disse, cada vez mais famílias estão encontrando
alternativas para a educação básica tradicional, e cada vez mais empresas estão
descobrindo que preferem treinar seus empregados, por meio de programas de
aprendiz ou por outros meios, do que confiar em diplomas universitários como
provas de competência. Os números ainda são pequenos, mas estão
aumentando.
O
que acontecerá, nesse cenário, com as instituições educacionais que temos
atualmente?
As
escolas com séries tradicionais desaparecerão aos poucos, sendo substituídas
por centros de aprendizagem com faixas etárias mistas que apoiam a Educação
Autônoma. As universidades permanecerão, com financiamento público como centros
de pesquisa e bolsas de estudos. Elas não matricularão os “estudantes” do modo
como pensamos hoje, mas, assim como outras instituições, terão assistentes e
aprendizes, alguns dos quais seguirão, por experiências e interesses, para se
tornarem cientistas e acadêmicos. Faculdades comunitárias, que já oferecem
formação útil e prática para uma variedade de carreiras a custos relativamente
baixos, podem crescer e se tornar parte de um sistema de aprendizes em expansão
que envolve alguma formação teórica relacionada a um emprego em potencial.
(Fonte: Gazeta do Povo. Peter Gray, Ph.D., professor e
pesquisador na Boston College, é autor de “Free to Learn”. Publicado
originalmente no site da FEE. Tradução: Andressa Muniz)
Um
grande abraço e bom final de semana.
Ari