Um jornalista alemão pergunta, no
fim dos anos 1950, se um jovem promotor de Justiça de Frankfurt sabe o que
se passou em Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Diante da negativa, exalta-se: “É uma vergonha que um promotor alemão não saiba
o que aconteceu!”. Irritado, questiona passantes. Ninguém sabe o que a palavra
significa.
O trecho é um dos mais
surpreendentes do filme “Labirinto de Mentiras”, que está nos cinemas e
foi pré-indicado pela Alemanha na competição de melhor filme estrangeiro
do Oscar 2016 – sem ter ficado entre os finalistas.
O filme conta a história da gênese
da investigação que levou promotores de Frankfurt a processar os nazistas que
mantinham a máquina da morte em funcionamento no campo de extermínio de
Auschwitz, na Polônia ocupada.
Mais de 700 pessoas receberam
sentenças por participação nos crimes ocorridos no local, em um julgamento que
durou de 1963 a 1965, duas décadas após estes terem sido praticados.
Membros da Comissão de Julgamento de Frankfurt chegam ao campo de concentração de Auschwitz em 14 de dezembro de 1964. Crédito: Associated Press |
De forma inédita, o julgamento de
Frankfurt, como se vê no filme, obrigou os alemães ocidentais a lerem,
escutarem e falarem a respeito de algo que até então era tabu: os crimes
nazistas, cometidos pelas pessoas em volta e, em muitos
casos, seus familiares. Para os jovens, era a primeira vez que aquilo era
discutido, em particular os detalhes do genocídio dos judeus.
Com a intenção de reconstruir a
Alemanha, o chanceler do lado ocidental, Konrad Adenauer (1949-1963), que fora
perseguido pelo nazismo, adotou a política de virar a página. Passada a onda de
punições capitaneada pelos Aliados logo após a guerra, os ex-nazistas que não
tinham sido do primeiro escalão foram progressivamente reabilitados pelo
governo alemão, reocupando postos na administração pública, nas universidades e
na Justiça.
“O trabalho e o sucesso derivado dele logo cobriram as feridas abertas deixadas pelo passado”, escreveram os psicólogos Alexander e Margarete Mitscherlich em uma obra de 1967. Preocupadas em ter uma Alemanha Ocidental forte e que fizesse frente ao socialismo soviético, as potências capitalistas acharam aquilo uma boa ideia.
Sem Esquecimento Nem Perdão
A “descoberta” dos crimes de seus
pais definiu a geração de jovens alemães ocidentais dos anos
1960. Como seus colegas americanos, britânicos e franceses, eles
questionavam o poder e as normas, mas com o fato adicional –e crucial– de ter
que lidar com o fardo da culpa pelos milhões de mortos em Auschwitz, Dachau,
Treblinka e outros.
“O ‘1968’ alemão foi um movimento
moral antes de ser político”, definiu o jornalista Hans Kundnani no livro
“Utopia or Auschwitz – Germany’s 1968 Generation and the Holocaust”, de 2009.
Muitos dos jovens alemães perderam
seus pais na guerra e os que ainda os tinham passaram a questionar sua legitimidade
e autoridade moral. Nas palavras do sociólogo Norbert Elias, o nazismo
enfraqueceu drasticamente o elo entre as gerações.
Assim, o movimento estudantil do
país nos anos 1960 se construiu com mais intensidade e urgência que em outros
países e, agora que se podia falar do assunto, passou a apontar diretamente o
dedo à elite dirigente da Alemanha Ocidental.
Consolidou-se entre eles a ideia de
que, com resquícios autoritários e hierárquicos e repleta de ex-nazistas ou
ex-associados a eles em cargos importantes, a República Federal da Alemanha era
de alguma forma uma continuação do Terceiro Reich. Ideia essa, diga-se, muito
estimulada pela propaganda da Alemanha oriental comunista, que financiava
parte dos grupos de esquerda do lado ocidental.
Tal percepção de que habitavam em
um Estado fascista levou a repercussões radicais por parte dos jovens, que
recorreram a formas de resistências mais condizentes à luta contra
regimes totalitários do que democráticos, como a criação da RAF (Fração do Exército
Vermelho), também conhecida como grupo Baader-Meinhof e adepta da luta armada
que praticou sequestros, roubos e assassinatos a partir dos anos 1970.
Andreas Baader, um dos fundadores do grupo Baader-Meinhof, ao lado de Gudrun Ensslin num tribunal de Frankfurt em 31 de outubro de 1968. Crédito: Associated Press
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A radicalização pode ser resumida
na frase de uma de suas líderes, Gudrun Ensslin, ao reagir à morte de um
estudante pela polícia em um protesto em 1967: “Violência só pode ser
respondida com violência. Essa é a geração de Auschwitz, não dá para argumentar
com eles!”
Esquecer de Novo
O discurso anti-capitalista e
anti-imperialista dos estudantes da Alemanha Ocidental teria impacto na
própria “descoberta” dos crimes do nazismo, argumenta Hans Kundnani.
Com o conhecimento dos detalhes
ainda recente e em digestão, os jovens ativistas passaram ver o
nazismo como um produto nascido do capitalismo, o que acabou, aponta o autor,
por minimizar entre eles o senso de responsabilidade coletiva dos alemães pelo
regime de Adolf Hitler.
Além disso, focados em atacar o
“hoje” do governo de Bonn (capital da República Federal) por suas supostas
semelhanças com o Terceiro Reich, os estudantes iam paradoxalmente se
interessando cada vez menos pelo “ontem” dos detalhes do regime nazista.
“Em 1968, o nazismo se transformou,
nas mentes de muitos dos ativistas do movimento estudantil, de um fenômeno
histórico real em uma ameaça abstrata e onipresente”, escreve Kundnani.
O paradoxo aparecia também em
alguns dos líderes jovens da época. Ao conhecer Ulrike Meinhof, figura
central do grupo radical RAF, o jornalista e historiador do nazismo Joachin
Fest contou que a “enérgica autoconfiança” e o “animado espírito de luta” da
jovem ativista o fez lembrar dos oficiais nazistas ao lado dos quais ele
lutou durante a guerra. (Fonte: Rodrigo Vizeu/Folha).
Um grande abraço a todos
Ari
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