Depoimento prestado à polícia, por “Zé da Ilha”, tremendo malandro, na década de 50:
“Seu doutor, o patuá é
o seguinte:
Depois de um gelo da
coitadinha resolvi esquinar e caçar uma outra cabrocha quepreparasse
a marmita e amarrotasse o meu linho no sabão.
Quando bordejava
pelas vias, abasteci a caveira e troquei por
centavos um embrulhador.
Quando então vi as
novas do embrulhador, plantado com um poste bem na quebrada da rua,
veio uma pára-quedas se abrindo, eu dei a dica, ela
bolou, eu fiz a pista, colei; solei, ela aí bronqueou,
eu chutei, bronqueou mas foi na despista, porque, muito vivaldina,
tinha se adernado e visto que o cargueiro estava lhe comboiando.
Morando na jogada, o Zezinho aqui ficou ao largo e viu quando o
cargueiro jogou a amarração dando a maior sugesta na recortada.
Manobrei e procurei engrupir o pagante, mas, sem esperar, recebi um cataplum
no pé do ouvido.
Aí dei-lhe um
bico com o pisante na altura da dobradiça, uma muqueada nos mordedores e taquei-lhe
os dois pés na caixa de mudança pondo-o por terra.
Ele se coçou,
sacou a máquina e queimou duas espoletas.
Papai, muito esperto, virou
pulga e fez a dunquerque, pois o vermelho não
combina com a cor do meu linho.
Durante o boogi, uns
e outros me disseram que o sueco era tira e que iria
me fechar o paletó.
Não tenho vocação pra presunto e corri.
Peguei uma borracha
grande e saltei no fim do carretel, bem no vazio
da Lapa, precisamente às 15 para a cor-da-rosa.
Como desde a matina não
tinha engolido a gordura, o roque do meu pandeiro estava
sugerindo sarro.
Entrei no china-pau e
pedi um boi a mossoró com confete de casamento e uma barriguda bem
morta.
Engoli a gororoba e como
o meu era nenhum, pedi ao caixa pra botar na pendura que depois eu
iria esquentar aquela fria.
Ia pirar quando o
sueco apareceu. Dizendo que eu era produto do Mangue, foi direto ao
médico-legal para me esculachar.
Eu sou preto mas não
sou Gato Félix, me queimei e puxei a solingea.
Fiz uma avenida na epiderme do moço. Ele virou logo América.
Aproveitei a confusa
para me pirar, mas um dedo-duro me apontou aos xifópagos e
por isto estou aqui.”
Significados:
patuá
|
forma giriática
para substituir “o negócio”, “a questão”, “o problema”.
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gelo
|
desprezo
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esquinar
|
ficar parado em
esquinas, à espera de algo
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cabrocha
|
mulher
|
que preparasse a
marmita e amarrotasse o meu linho no sabão
|
que cozinhasse para
mim e lavasse a minha roupa
|
bordejava pelas
vias
|
perambulava pelas
ruas
|
abasteci a caveira
|
tomei uma bebida –
uma cachaça
|
troquei por
centavos um embrulhador
|
comprei um jornal
|
na quebrada da rua
|
na esquina
|
veio uma
pára-quedas se abrindo
|
veio uma mulher
demonstrando interesse pelo malandro
|
eu dei a dica
|
o malandro dirigiu
um gracejo à mulher
|
ela bolou
|
a mulher foi
receptiva à lisonja do malandro
|
eu fiz a pista
|
acompanhei-a
|
colei
|
aproximei-me,
caminhando ao lado da mulher
|
solei
|
conversei com a
mulher
|
bronqueou
|
demonstrou com
palavras iradas, o seu desagrado
|
vivaldina
|
viva, esperta,
inteligente
|
o cargueiro estava
lhe comboiando
|
o namorado a estava
acompanhando
|
morando na jogada
|
compreendendo a
situação
|
o Zezinho aqui
|
forma do malandro
referir-se a si mesmo
|
o cargueiro jogou a
amarração
|
o namorado se
aproximou dela
|
um cataplum no pé
do ouvido
|
um soco ou bofetada
na orelha
|
dei-lhe um bico com
o pisante na altura da dobradiça
|
dei-lhe um pontapé
no joelho
|
uma muqueada nos
mordedores
|
forma de muque – um
soco nos dentes
|
taquei-lhe os dois
pés na caixa de mudança
|
saltei-lhe com os
dois pés sobre o peito
|
ele se coçou, sacou
a máquina e queimou duas espoletas
|
sacou o revólver e
fez dois disparos
|
papai
|
(outra forma do
malandro referir-se a si mesmo)
|
virou pulga
|
deu um salto
|
fez a dunquerque
|
evadiu-se, fugiu (alusão à famosa retirada de dunquerque, na Segunda Guerra Mundial)
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vermelho não
combina com a cor do meu linho
|
referia-se ao
vermelho do sangue
|
tira
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policial, detetive,
investigador.
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fechar o paletó
|
matar
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não tenho vocação
pra presunto
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referia-se ao seu
apego à vida
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borracha grande
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ônibus
|
no fim do carretel
|
no fim da linha, no
ponto final
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bem no vazio da
lapa
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no Largo da Lapa
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às 15 para a cor de
rosa
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às 17 horas e 45
minutos
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matina
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manhã
(observe-se a influência do elemento imigrante através desse vocábulo
italiano)
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o roque do meu
pandeiro
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o ruído do meu
estômago
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china-pau
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“china” (pequenos restaurantes chineses que serviam pratos a preços populares, na
época, muito comuns no Rio de Janeiro)
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boi a mossoró com
confete de casamento
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bife a cavalo com
arroz
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e uma barriguda bem
morta
|
cerveja bem gelada
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como o meu era
nenhum
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como não tinha
dinheiro…
|
pedi ao caixa pra
botar na pendura que depois eu iria esquentar aquela fria
|
pedi ao caixa um
crédito, dizendo-lhe que pagaria a despesa mais tarde.
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dizendo que eu era
produto do mangue
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o Mangue é um dos
prostíbulos do Rio de Janeiro (curioso notar o eufemismo desta construção)
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me queimei e puxei
a solingea
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irritei-me e saquei
a navalha (a marca do instrumento Solingen passou a sinônimo de navalha)
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fiz uma avenida na
epiderme do moço
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fiz um talho na
pele…
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ele virou logo
américa
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ficou vermelho como
sangue (América Futebol Clube, cujo uniforme se compõe de camisas vermelhas)
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dedo-duro
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delator
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xifópagos
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policiais do Rio de
Janeiro que sempre andam em duplas também chamados Cosme e Damião)
|
Fonte: Jânio Quadros - Ex-Presidente do Brasil (São Paulo, editora Formar, 1966, 6 volumes). Colaboração de Loro Martins Rodrigues.
Um bom domingo e um grande abraço a todos.
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